Eram 09:20 quando o ônibus que nos trazia entrou no estacionamento da rodoviária de Resende, no estado do Rio de Janeiro. Esta é um dos terminais de passageiros mais movimentados que já passamos, não pelo número de embarques/desembarques, mas, pelo número de ônibus que param. Comparável a um grande centro urbano, o terminal tem essa dinâmica por estar localizado a poucos metros de uma das mais importantes rodovias do Brasil, a Via Dutra, BR 116. Não é por acaso, então, passam por aqui lotações que se dirigem a todos os cantos do país.
Uma vez desembarcados, nos dirigimos ao terminal intermunicipal que fica em uma espécie de térreo da rodoviária. Descemos as escadas e depois de perguntar a um comerciante onde comprávamos bilhetes para a cidade vizinha de Itatiaia, subimos novamente na procura do guichê. Por um mal entendido nosso, ou do informante, lá em cima não encontramos a venda de passagens e nos orientaram a retornar ao térreo e esperar o intermunicipal no ponto do lado de fora.
Depois de localizarmos o terminal intermunicipal em 20 min o carro que nos levou até a cidade base do Parque Nacional de Itatiaia (PNI) partia com poucos passageiros para uma viagem de 15 km. O motorista ao nos identificar com as cargueiras orientou que ficássemos no ponto da passarela de Itatiaia que, no mesmo ponto passaria ao meio dia um dos três ônibus que levam até o Centro de Visitantes Wanderbilt Duarte de Barros dentro do PNI.
Ainda faltava algum tempo até o horário do ônibus e aproveitamos para comprar as últimas provisões que garantiriam nossos dez dias nas montanhas. Alugamos um chalé dentro do PNI para as duas primeiras noites, como dentro do parque não há comércio de provisões e o mesmo está a mais de 10 km da cidade, temos de levar a alimentação desde o primeiro dia. Dentro da área do parque existem três estabelecimentos que vendem refeições, Restaurante do Miltinho ao lado do Centro de Visitantes, Restaurante Aporaóca a 2 km do Centro e Restaurante e Restaurante Ipê, esse último não tenho certeza de que atende além dos hóspedes já que é junto do Hotel de mesmo nome.
Cruzamos a passarela para o lado esquerdo da rodovia rumo ao centro do município, e eu juro que na minha cabeça o centro de Itatiaia era do lado do PNI, mas não. Paramos na padaria logo ao lado da Dutra, mas, não encontramos pão integral. Nosso costume é carregar sempre pão integral que é mais difícil bolorar/azedar/endurecer que pão comum, costuma durar até oito dias desde que conservado seco. Caminhamos mais três quadra até o Super Kato, lá foi adquirido pão integral, queijo e presunto para os primeiros dias.
Arriscamos um Uber, pois, faltavam ainda mais de hora para o ônibus. O primeiro motorista recusou ao saber que o destino era o PNI, afinal não sei qual o problema de alguns, na própria chamada já aparece o destino e eles depois de aceitarem a corrida se dão ao trabalho de perguntar para onde a corrida e recusar, vai entender. O segundo motorista aceitou sem questionamentos. Um senhor muito simpático que veio do Rio recentemente e fez morada no Itatiaia. Durante o trajeto contou-nos que era um prazer circular por aquele local onde ele mesmo já havia frequentado muitas vezes na vida, inclusive membros de sua família nasceram dentro da área demarcada.
Em 15min estávamos na Portaria do PNI se identificando e adquirindo pela bagatela de R$ 40,00 os ingressos para os dois dias seguintes. Ingresso que se resumiu a um papelzinho branco com um número de ordem e duas anotações à mão, mas, segundo a moça que atendeu dava direito a livre circulação pelo parque. Nas árvores do entorno já tivemos uma mostra da beleza do bioma, um grupo de macacos saltitava na copa das árvores agitados com o movimento lá embaixo. O Uber recebeu um crachá de visitante e seguiu pela charmosa estradinha pavimentada montanha acima. Da portaria ao Centro de visitantes são quase 5 km de subida, muito mais simples ir de carro. No trajeto passamos pelo mirante do último adeus e pelos dois restaurantes citados anteriormente.
Nossa reserva ficava uns 1200 m depois do centro de visitantes, o Uber parou logo depois do final da estrada pavimentada, e, enquanto fazia a conversão alguns macacos prego lançavam restos de sementes sobre a gente. Caminhamos os últimos 500 m até o Sítio Gaia, local combinado para a retirada das chaves do Valfenda, nossa reserva. Fomos atenciosamente recebidos e encaminhados por mais alguns metros até entrar num canto e descer por uma encantadora calçada toda cercada de verde e moldada com madeira rústica. Apresentaram-nos o chalé, mas o que chamava de fato a atenção era a infinidade de aves cantando ao redor. E a exuberante vegetação toda cercada de árvores formadas e muitas palmeiras juçara.
O anfitrião, antes de eu perguntar, explicou que a vegetação da encosta é floresta secundária, em grande parte fruto da semeadura de sementes pala comunidade que habita/ou a região. Esse é o motivo das árvores, apesar de saudáveis e diversas, não possuírem exemplares gigantes como ainda encontramos na Serra do Mar Paranaense por exemplo. O local antes da regeneração foi parte de projetos audaciosos de colonização, plantações frutíferas e principalmente extração de carvão natural.
Uma vez alojados preparei aquele café especial e após deixar as cargueiras saímos para conhecer as cachoeiras do parque.
A primeira ave fotografada
Caminhamos os dois quilômetros até o Complexo do Maromba onde se encontram três das principais cachoeiras da reserva. O caminho, apesar de ser um estrada bem conservada, durou mais de uma hora. O motivo é que a todo momento parávamos para ouvir as aves de dezenas de espécies que saltitavam entre a folhagem.
Apesar de serem muitas quase todas são pequenas e se esquivem em meio aos ramos dificultando sua identificação, e principalmente qualquer chance de fotografá-las. Em uma das ocasiões um arredio-pálido arriscou sair para um local menos emaranhado e consegui fotografá-lo.
Seguindo pela estradinha outra situação começaria a nos chamar a tenção, na metade do caminho uma casa de alvenaria assentada sobre um grande bloco sólido aparenta abandono. Com a porta entreaberta o telhado ainda em pé, tem apenas musgos e liquens nas partes de madeira denunciando seu estado. Mal sabíamos mas encontraríamos muitas edificações nesse estado. Pelo que conseguimos saber conversando com os moradores ainda ativos, são moradias que foram 'adquiridas' pelo parque e mantiveram os moradores por longa data até que em algum momento o processo judicial que estavam envolvidas foi concluído e os moradores despejados ou então faleceram e os descendentes, quando existiam, deixaram o imóvel para trás. Há ainda hoje moradores que enfrentam processo judicias que podem a qualquer momento acabar em despejo. Longe de querer participar de qualquer polêmica, tivemos a impressão de que as pessoas que hoje convivem no PNI reconhecem a importância da área de preservação e fazem tudo para conservar a natureza tal como o parque faria/faz. A impressão de leigo que temos é de que o impacto dos moradores não é maior que o impacto dos visitantes.
Chegando na Cachoeira Véu de Noiva e Itaporani
Chagamos no Complexo do Maromba já eram 14:20. Como era quinta-feira estávamos quase sós no parque. Entramos na trilha para as cachoerias Véu de Noiva e Itaporani, um caminho bem demarcado. Inclusive há locais onde foi colocado passarelas com corrimão ou calçamento. É uma trilha de passeio praticamente. Depois de uns 400 m a trilha se divide em duas: do lado direito vai para a maior queda, Véu da Noiva com quase 40 m; à esquerda vai para Itaporani, pequena mas com um imenso poço de banho.
Primeiro fomos à Véu de Noiva. A trilha fica um pouco mais escorregadia, chega a passar por uma fenda enorme entre duas rochas caprichosamente cortadas, e nos metros finais cruza o rio.
A queda impressiona, por estar envolvida na vegetação apresenta um aura muito relaxante. Seu volume pequeno precipita-se como num anfiteatro. Sentamos nas rochas e por longos minutos deixamos nossos pensamentos flutuarem ao som das águas. Até que mais algumas pessoas chegaram e então demos espaço à apreciação por eles também. Esse é um ponto a considerar, a cachoeira possui pouco espaço no entorno, logo nos finais de semana e feriados encontrar um lugar zen pode não ser uma tarefa fácil.
Continuamos nossa caminhada retornando à bifurcação só que agora pegamos a trilha da esquerda sentido Itaporani. O caminho tem o mesmo estilo do anterior com o diferencial de que agora caminhamos pela margem do Rio Campo Belo, cruzando por entre ou por baixo de rochas como se fossem grutas.
No trecho final uma pequena escadaria dá acesso as pedras e ao poço da Cachoeira. Descemos nas rochas no momento que o grupo que esteve na outra cachoeira já ia saindo. Ficamos mais uma vez sozinhos em paz com a natureza.
Apesar da água cristalina ser um convite, o frio do inverno, estamos em maio, não é encorajador. Ficamos mais um tempo deitados na pedras a observar o bailar das águas até que resolvemos voltar. A Bruna seguiu na frente enquanto eu vinha logo atrás.
Assim que terminei a escadaria encontrei um rapaz sozinho perguntando se tinha mais alguém na cachoeira. Informei que éramos os últimos, ele deu meia volta. Desconfiado perguntei se ele era guarda-parque. Me respondeu que sim. Nesse momento lembrei que havia lido que o limite para entrar nas cachoeiras era 16:00, mas, eu entendera o limite para entrar e não o limite para sair que no site fala 19:00. Para todos os caso o rapaz estava fechando a trilha e teríamos que deixar para descer no Poço do Maromba outro dia.
Aproveitei para conversar com o guarda e saber mais sobre algumas plaquinhas que encontramos ao longo da trilha com dizeres "planta em estudo" "não pise". Me disse que trata-se de estudo de botânica e não como eu imaginara, impacto da visitação sobre a vegetação.
É meio estranho mas me senti como se estivéssemos sendo escoltados para fora da trilha. Tomamos a estrada de volta para o chalé. No trajeto ainda encontramos algumas pessoas de carro seguindo no sentido das trilhas. Chegamos de volta ainda durante o dia, um friozinho gostoso para sentar do lado de fora e ficar observando o gorjear das aves em busca de um poleiro para passar a noite e saborear um café passado quentinho.
Este diário é o primeiro de uma sequência de dez dias acampados no Parque Nacional do Itatiaia na divisa entre os estados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Os demais dias, parte baixa e parte alta são relatados nos diários subsequentes.
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