Na sexta-feira, saímos do chalé assim que as primeiras luzes do dia apareceram. Depois de tomar um café tomamos a estrada para as ruínas do Hotel Simon, cerca de 500 m até ele. Assim que chegamos em frente ao edifício encontramos um macaco-prego solitário, aparentando estar ferido, caminhando no chão. Ele segurava uma das mãos como se não conseguisse apoiá-la no chão, e com isso também não conseguia galgar as árvores. Só o observamos de longe, por se tratar de animal selvagem não chegamos muito próximo.
Seguimos pela primeira estradinha à direita. Uns 400 m a frente chegamos em outra ruína que fazia parte do hotel, com piscina e quadra de esportes, todas tomadas pela vegetação. Desse ponto a trilha segue entre grandes touças de bambu-gigante uns 5 min, quando viramos à direita em uma estradinha que começa a subir no sentido da montanha.
Caminhamos dois quilômetros por essa trilha larga em meio a vegetação vigorosa, uma centena de pássaros nos acompanhavam com seus cantos incríveis. A trilha deixou de ser larga depois de cruzarmos o primeiro grotão por onde passa um córrego formando uma modesta queda, transposto por uma pequena ponte de pedras. Seguimos mata adentro em alguns trechos a trilha fica bem seca e regular facilitando a caminhada, em outros há raízes e mata deitada sobre a trilha dificultando a passada e nos deixando molhados.
É a partir do quilômetro cinco que a trilha fica mais exigente. Grandes rochas precisam ser galgadas, em alguns lances as rochas ou barranco são bastante lisos exigindo mais cuidado. Surgem também gretas profundas margeando a trilha, é preciso se equilibrar nas rochas a fim de evitar uma queda. É nesse trecho mais úmido que aparecem também muitos fungos agarrados as rochas em meio aos liquens. Alguns deles são muito pequenos e só podem ser percebidos por alguém que esteja atento ao entorno. Contudo após identificar o primeiro é tentador ficar parando a cada momento para admirar algo novo, o chão das florestas é riquíssimo em oportunidades.
Quando atingimos 6 km a trilha chega em uma bifurcação, em frente vai para o Pico Gigante (trilha proibida) e à direita, transpondo o rio na base da pequena cachoeira, a trilha segue para os Três Picos. Depois de uma pausa para descanso e contemplação, continuamos. A partir daí são quase dois quilômetros com grande ganho de altitude, passando dos 1300m para 1725m.
Após um curto percurso na cela entre os picos a trilha sobre repetinamente, passa a ser um trepa pedras nos 200m finais. Passado o lance do trepa pedras já avistamos o Pico Gigante, ameaçador, ali pertinho e também a Pedra do Ovo. Mais à esquerda do Gigante podemos ver a parte alta do parque e apontando para o alto o Maciço das Prateleiras. Olhando no sentido do vale vemos lá longe o Hotel Simon imponente em meio ao verde, e quase camuflado na mata, do outro lado do Complexo Maromba, o chalé alpino.
Cruzando os cinquenta metros finais saímos no cume do pico principal. Sua vista é empolgante, todo o vale que contempla as cidades de Itatiaia e Resende, a Represa do Rio Paraíba do Sul estava coberto pelo colchão de nuvens, mais à direita outra serra se descortina, a Serra do Mar Paulista. Seguindo pela trilhazinha da esquerda o mirante do outro lado além do Pico Gigante e Pedra do Ovo permite observar o vale do Penedo e Serrinha do Alambari e os Picos Gorila e Gorilinha. Como eram apenas 09:15 e estávamos sós, ficamos uma hora contemplando e descansando antes de iniciar a descida.
Retomamos a trilha às 10:25. A caminhada de volta é bem mais tranquila, uma vez que raramente precisamos subir algum trecho. Encontramos mais um casal subindo já na última cachoeira. Entre uma pausa e outra observamos muitas flores de variadas cores e espécies que se espalham ao longo da trilha.
Além das flores, gastamos um bom tempo observando as aves que cantam e sobrevoam entre árvores. Vimos tiribas, tietinga, inhambu, e o dançarino tangará. Este último ocupou nosso tempo por alguns minutos. Após reconhecer seu canto e identificá-lo entre a folhagem ficamos imóveis esperando que a ave se colocasse em uma posição mais clara, menos poluída visualmente para quem sabe conseguirmos uma boa foto. Com muita insistência e tentativas conseguimos um registro, mas, esse era um tangará solitário. Sua época de reprodução não é no inverno e a dança do acasalamento, por consequência também não é nessa época. Mas a beleza do bichinho recompensou todo o esforço.
Às 12:00 estávamos novamente no Hotel Simon, e dessa vez fomos conhecê-lo. É realmente um bela e gigante construção de tom róseo e inúmeras janelas que demonstram a grande capacidade dos seus tempos áureos. Hoje restam apenas as cortinas das janelas e além dos vidros podemos ver algum móvel apodrecendo junto de uma máquina de lavar da década de 80. A piscina olímpica agora só possui mato e até as cadeiras e mesas largadas do lado de fora já se incorporaram à vegetação.
Caminhamos os metros finais até o chalé pelas pitorescas ruelas cercadas de contenções em pedra para segurar o barranco. Fomos almoçar antes de continuar pelas cachoeiras e trilhas da parte baixa.
Enquanto preparamos o almoço peguei a telefoto e saí para o lado de fora do chalé. Tinha visto quando chegamos muitos passarinhos numa fonte próxima do portão; ferro-velho, saíra-lagasta, canário, etc. Chegando lá fui atraído por um grito estridente na direção de um palmiteiro. Ao prestar atenção vi um esquilo, eu não sabia que o som que eles emitiam era tão estridente. Apontei a câmera e fiz algumas imagens, só então voltei para as aves. Mas com meu movimento atrás do animal elas dispersaram e não pude fazer muita coisa.
Depois do almoço voltamos a caminhar. Nossa primeira parada foi na Cachoeira Poranga. Ela fica a menos de 1 km do nosso chalé e também a essa mesma distância do Centro de visitantes. A trilha de acesso começa na margem da estradinha, onde tem algumas vagas de estacionamento e uma cancela de 'controle' de acesso. Nesse dia não encontramos nenhum guarda parque, aliás, exceto pelo fecha trilha no dia anterior não encontramos outro guarda na parte baixa.
Depois de 400 m de trilha muito bem demarcada e regular, com degraus nas partes mais íngremes, chegamos a um grande poço de água esverdeada. Dali, seguindo à direita, mais 2 minutos, chegamos à cachoeira. Não é uma queda tão grande, mas sua tonalidade e a pureza das águas impressionam. Trata-se da sequência do Rio Campo Belo que é puro desde a parte alta do parque.
Depois de curtir por mais de hora a aura do lugar, porém, sem entrar na água 'glacial', recomeçamos a marcha. Dessa vez o destino é o Lago Azul. A trilha, quase um corredor, começa ao lado do Centro de Visitantes. Logo no início possui uma placa avisando dos 124 degraus até a final, mas não se trata somente disso. Depois dos degraus é preciso caminhar por mais 5 min numa estradinha até chegar ao lago.
Nós escolhemos uma trilha alternativa que começa no início da escadaria e percorre a mata aumentando a distância em algo como 300 m. Essa trilha é chamada de observação de pássaros e tem inclusive um folder/placa com as aves que podem ser avistadas ali. Nós, acabamos avistando apenas um macaco-prego solitário, talvez seja o mesmo que vimos na Trilha dos Três Picos mais cedo. Esse caminho é bem tranquilo, a trilha parece que foi aplainada de tão regular. No final ela volta a se ligar a trilha principal do Lago Azul, então caminhamos até ele.
Mais uma vez estamos no Rio Campo Belo, nesse ponto, debaixo de uma pitoresca ponte de madeira e aço forma-se uma piscina natural emoldurada nas rochas. A água cristalina permite avistar o fundo, mas, confunde sua profundidade. O lago, anos atrás, estava numa área desmatada para carvão vegetal e devido à sua profundidade e alvura de suas águas refletia o azul do céu, daí a origem do seu nome. Hoje é difícil presenciar o azul, talvez seja impossível, mas, isso, se deve a uma boa causa; a recuperação da mata ao seu redor.
Apesar da ausência da cor que denomina o lago ele é muito visitado principalmente no verão devido a sua qualidade para banho. Retornamos pela trilha normal, e eu contei os degraus que não deram 124, mas sim 126.
Chegamos no Centro de Visitantes o local hoje comporta um museu da biodiversidade do PNI com várias das espécies da fauna empalhadas. Dentre elas lobo-guará, harpia, irara, gato do mato, tangará, tiê-sangue, entre outros. No mesmo espaço há muitos exemplares da geologia do parque e explicações a cerca da formação e composição do parque, inclusive a explicação do formato e disposição das rochas; a parte alta já foi um vulcão em atividade. Há ainda no salão principal uma maquete do parque, proporcional, muito bem desenhada e que nos permite ter uma ideia do relevo e disposição de cada espaço do PNI.
Em salas acessórias ficam o museu de escalada onde estão peças e roupas usadas por escaladores e, numa parede, é possível fazer alguns nós além da oportunidade de conhecer os equipamentos e sua evolução. Principalmente perceber o quanto evoluíram em termos de qualidade, leveza e segurança as peças. Na outra sala estava uma exposição fotográfica como parte das comemorações de 80 anos do Parque Nacional de Itatiaia, a fotos foram captadas, em sua maioria, por câmeras de acionamento remoto ou por sensores e flagraram animais que seria rarissimamente vistos ao vivo, quem dirá fotografados como a irara, ou gato mourisco.
Fechando nosso tour pela parte baixa, saímos do centro de visitantes pela calçada da fama animal que possui a digital de muitos animaizinhos. Apesar de pouco conservada dá para se divertir com as pegadas gravadas no concreto.
Como já eram 17:00 perguntamos a funcionários do ICMBio que estava ali do lado se os restaurantes dentro do parque estavam abertos. Eles não sabiam ao certo mas acreditavam que já teriam fechado devido o horário. A outra informação que me deram foi que não preciso esperar abrir o centro no sábado para subir a Travessia Ruy Braga, basta se apresentar na Posto do Marcão na parte alta no dia que lá chegar. Ficamos contentes com a notícia, pois o centro abre só às 08:00, e nessa hora já devemos ter caminhado quase metade da distância até o Abrigo Massena. Nesse caso tomamos a estradinha e retornamos ao nosso chalé, tomar o penúltimo café em uma 'casa' antes dos dias na parte alta.
Este diário é o primeiro de uma sequência de dez dias acampados no Parque Nacional do Itatiaia na divisa entre os estados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Os demais dias, parte baixa e parte alta são relatados nos diários subsequentes.
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