Depois de uma gélida noite de sono, fez quase zero graus, com sensação térmica negativa. Acordamos às 05:00 com a movimentação do batalhão. Antes, já tínhamos acordado duas vezes na madrugada com investidas do lobo-guará nas barracas de nossos vizinhos. Dessa vez ele tentou, sem sucesso, levar o cooler de uma barraca, mas, só levou o fogareiro de outra. Durante o dia nos constariam que ele visitou as barracas da outra área de camping e conseguiu raptar comida.
Às 06:30 o céu já estava incrível com seus tons alaranjados no nascente por trás do Agulhas Negras. Como deixaríamos novamente as comidas no carro dos vizinhos, tomamos o café já passado de sete horas. Deixamos com eles os sacos com a comida e partimos. Nesse momento, 07:45, os batalhões começavam a instrução, um dos grupos estava preparando o helicóptero para decolagem. Quando chegamos no início da trilha as hélices entraram em movimento, achamos prudente aguardar já que a aeronave estava muito próximo da trilha. Como estavam demorando, esquivamo-nos e passamos para o outro lado pela laje da represa.
A trilha larga e regular vai por entre os morros no sentido da montanha. O visual é mágico. Logo a frente o Maciço das Prateleiras, à direita, também se faz ver, iluminado pelo sol ganha tons laranjas incríveis. Seguimos por uma ponte pênsil sobre o Rio Campo Belo e logo depois, à direita na primeira bifurcação.
A trilha faz uma pequena descida e cruza o último ponto de água antes do ataque. Logo depois do leito desse córrego uma placa adverte sobre a dificuldade técnica da trilha e a necessidade de equipamentos e conhecimento de técnicas de escalada. Por mais 400 m a trilha é leve. Só depois começa a subir pela rocha.
A rocha exposta é lisa e já no primeiro lance são mais de 100 m com inclinação de 30 graus que precisam ser percorridos por dentro de canaletas. Vencido o lance a trilha segue pelo trepa pedras outros 300 m, quando chega em uma nova rampa ainda maior de inclinação próxima aos 60° que termina nos arbustos.
Dos arbustos é possível seguir pela direita desviando outro rampão de aderência à esquerda. Seguimos por ali, esse não é o trajeto mais comum. Cruzamos os arbustos para uma nova rampa, agora de pelo menos 65°, que exige muita destreza. Saindo dessa rampa a trilha entra numa fenda com centenas de rochas grandes soltas, é preciso encontrar o caminho entre elas ou sobre; um labirinto que dura cerca de 20 min num ritmo bem intenso. Prestando atenção na parede esquerda da fenda encontramos uma canaleta bem desgastada que indica a trilha, é um dos lances mais perigosos trechos da subida.
Após subir na canaleta, mantemos o corpo colado na parede e nossos pés se apoiam em apenas 30cm de rocha com um pequeno rodapé de uns 10cm. Essa passagem tem 20 m e testa nossa coragem, tá aí porque não uma rota comercial muito usada. No final dela descemos duas grandes rochas para uma nova rampa de pedras já na rota principal. Depois ficamos sabendo por um escalador, que havia passado por ela nesse dia, que antes dessa passagem seguindo em frente há uma via de escalada que sai direto no cume do Itatiaiuçu.
De volta na rampa seguimos subindo em direção à grande falha que rasga a montanha. Novamente começa um labirinto de rochas enormes, com algumas passagens apertadas que mal cabe o corpo. Cada vez mais a falha vai afunilando até que a trilha é a falha.
Subindo mais 20 min a trilha termina de frente à uma grande rocha, cruzamos pela passagem debaixo dela saindo na outra face do Agulhas Negras. Enxerguei o piton na rocha da esquerda mas ainda não sabia como chegar nele. Por entre duas rochas dei um salto e saí no platô formado por outra rocha caprichosamente encaixada. Dali foi só identificar uma canaleta e usando a aderência de ambas as mãos chegar ao piton. Montei um segue com o mosquetão e o freio ATC e joguei a outra ponta da corda para a Bruna plugar na cadeirinha. Com a segurança ela também galgou a canaleta chegando na fissura da rocha. Seguimos com o corpo junto sempre para a direita até chegar em duas outras canaletas que serviram de via.
Novamente caminhamos por uma fissura, agora à esquerda até as canaletas. Estávamos no platô do falso cume. Daí até o cume do Cruzeiro o caminho é pelo labirinto de rochas. Atingimos o Cruzeiro às 10:20, o tempo, cristalino e sem vento permitiu-nos uma visão de 360°. Dava para ver ao norte a Serra Negra, Pedra do Sino de Itatiaia; à leste o vale do Rio Preto, Pedra Selada, e lá no horizonte o conjunto da Serra dos Órgãos. Mais à sudeste víamos o Pico Maromba, os Cara de Leão, Gigante; no lado sul uma crista do Agulhas Negras a Represa do Paraíba do Sul e a cadeia de montanhas da Serra do Mar Paulista. No sudoeste o Vale do Paraíba se perde no horizonte com suas cidades, Cruzeiro, Passa Quatro, Queluz, entre outras. Já ao oeste vemos o Morro do Couto, a Pedra do Altar e a magnífica Serra Fina um pouco atrás.
Nessa altura encontramos um senhor de 52 anos, morador da região e que tinha ascendido pela outra via que não a Pontão Sul, que usamos. Muito atencioso e colaborativo trocamos experiências e acabamos por fazer o restante do ataque juntos.
Acessar o cume Itatiaiaçu, onde fica o livro, exigiu descer rapelando um lance de 15 m, usando a chapeleta já existente na rocha, deixamos a corda ali para o retorno. Descido o rapel, contornamos o flanco da rocha e chegamos à canaleta do lado direito dela por onde subi sem usar cordas, exposto. Chego no cume e usamos a corcova da rocha para passar a corda e dar segue para a Bruna subir. Estamos no cume, 2792 m.
Assinamos o livro e retomamos a descida, A Bruna foi primeiro, depois eu e por último nosso novo amigo. Nessa hora já chegavam dois grupo para fazer o percurso e começavam o rapel. Precisamos esperar na base do rapel por 30 min até que o primeiro grupo passasse, só então recuperamos a corda e subimos novamente o rapel.
Sentamos no cume Cruzeiro e ficamos contemplando por uma hora. Aproveitamos o tempo perfeito, e fizemos um lanche antes de reiniciar a descida.
Na volta foi preciso montar o segue nos mesmos trechos que usamos na subida. Tanto os trepa pedras como as rampas foram mais fáceis, só no trecho do rampão que tínhamos desviado usamos a corda para montar um rapel de 15 m. Superada a última rampa, agradecemos por tudo ter seguido em segurança e estarmos de volta. Caminhamos juntos do senhor até o acampamento, ele é guia das caminhadas e muito prestativo conversamos sobre diversos assuntos, inclusive sobre o parque. Às 14:00 chegamos novamente à base.
No final do dia o tempo ficou encoberto, deixando apenas por alguns instantes os raios do sol colorirem de dourado e depois vermelho a Agulhas Negras, uma bela forma de fechar um dia de cume.
Já a noite reunimos na cozinha para o jantar, aproveitar que ganhamos dos vizinhos que foram embora pão e uma dúzia de ovos para repor os itens roubados pelo lobo-guará. E por falar nele, não sei essa noite ele vem, por segurança guardamos todas as coisas dentro da barraca, mas a pouco olhei para fora e vi luzes vermelhas nas encostas e pelo movimento vai haver instrução do batalhão noite adentro.
Este diário é o sexto de uma sequência de dez dias acampados no Parque Nacional do Itatiaia na divisa entre os estados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Os demais dias, parte baixa e parte alta são relatados nos diários antecedentes/subsequentes.
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