top of page
Foto do escritorJonas Silva

Travessia Rancho Caído - Parque Nacional do Itatiaia

Dia Primeiro


Últimas horas da Ofurô no acampamento Rebouças

Sabíamos do trabalho que seria organizar e desmontar o acampamento fundado a cinco dias. A impressão é que viemos acampar de caminhão pelo tamanho da tralha. Por isso acordamos às 06:00 e logo fomos tomar o café, pão com ovos mexidos e café para mim e chá da Bruna. Tive trabalho para fazer funcionar o fogareiro, só depois de rosqueá-lo três vezes é que funcionou.

Começamos a desmontar a barraca ao mesmo tempo que o exército começou a desfazer as tendas deles. Foram uma hora e meia para deixar tudo pronto. Nossa caminhada iniciou às 08:20.

Contornamos o lago da represa ao lado do Abrigo Rebouças e entramos, de fato, na trilha. A trilha, que repetimos pela terceira vez, contorna o Morro do Corvo pelo vale no sentido das Agulhas Negras com as Prateleiras do lado direito. Depois de cruzar uma ponte pênsil, e a bifurcação do Maciço da Agulhas, entramos à esquerda no sentido Pedra do Altar. Enquanto subimos vou me entretendo na procura da Águia que avistamos no Morro do Corvo no dia anterior.

A calmaria é seguidamente interrompida pelo grito de guerra do batalhão que hora vem do cume das Prateleiras e hora vem do Cruzeiro no Agulhas Negras. Entretido na procura da águia, quase nem dou conta e atropelo um camundongo que vinha ao meu encontro perseguindo um grilo. Paramos um de frente para o outro e ficamos encarando. Não sabia se pegava a câmera e clicava ou esperava ele reagir. Com movimentos suaves apontei a câmera e cliquei algumas vezes, o animalzinho permaneceu parado, movendo apenas a cabeça ou os olhos. Avisei a Bruna que se aproximou e pode ainda vê-lo caminhando atrás do inseto.

Já na descida depois da bifurcação da Pedra do Altar, quando vemos um lago límpido no fundo do vale, avistei sobre o Morro do Corvo uma ave planando. Não tive dúvidas, apontei e cliquei algumas vezes, sabia que àquela distância um clique certeiro é quase impossível, apesar de nenhuma foto ficar nítida, foi possível identificar a águia.

Lago logo depois da bifurcação da Pedra do Altar

Após a bifurcação do Circuito Cinco Lagos o vale a esquerda impressiona pela dimensão, é provavelmente o maior em visual contínuo de todo o parque. Saindo desse flanco entramos à direita no Vale do Aiuruoca, são mais aproximadamente 3 km circundando o vale, desde a descida do flanco do Altar até esconder atrás da Pedra do Ovo de Galinha. Fizemos uma pausa no Rio Aiuruoca para abastecer e descansar. Hoje optamos por não ir na cachoeira que está a uns 400 m dali, pois já estivemos lá ontem.

Quando chegamos na bifurcação da Pedra do Sino de Itatiaia demos mais um fôlego e atacamos o passo de montanha logo à frente. Não é uma elevação absurda, são ganhos 200 m em 800 m de trilha, mas para quem está caminhando a oito dias e com uma carga beirando 16 kg, tem seu preço.

Bruna subindo o passo de montanha

Esse passo foi nosso último ganho considerável de altitude. Do outro lado começamos uma longa descida para o Vale do Rio Preto, esse vale está no costado do Maciço Agulhas Negras e Pedra do Sino. A trilha que o contorna tem quase quatro quilômetros e é acompanhada do lado esquerdo pelo Pico da Maromba. A trilha aqui também recebeu cuidados, recentemente foi roçada deixando uma passagem de dois metros de largura. As sombras das nuvens brincam no vale e dão graça aos nossos cansados passos.

Maciço das Agulhas Negras, outro lado do V. Rio Preto

Aproveitamos a nascente do Rio Preto para fazer uma pausa, comer algumas castanhas, amendoim e biscoitos. Reabastecemos a água e continuamos a tarefa. Pouco antes de chegar no final do vale: o pé do Pico Cabeça de Leão a trilha converge à esquerda cruzando a lomba. Nesse ponto temos a vista derradeira do Agulhas Negras que nos acompanhou durante a última semana. A trilha limpa e larga também termina aqui, torna-se uma canaleta profunda que vai rasgando o capinzal no sentido da Maromba.

Saímos do outro lado, em frente a mais um vale. Já no pé da Maromba avistamos o local onde fica o Rancho Caído. Resta-nos descer encosta abaixo entre as caratuvas e subir alguns metros até o camping. Antes, ainda paramos fundo do vale para encher o vasilhame de água.

Chegamos no Rancho Caído às 14:00, com sol forte, mas, como o espaço das barracas fica atrás das rochas, engolfado pelo mato, protegido do vento, mas úmido e frio, só montamos a Ofurô e saímos esperar a tarde cair. Ficamos longa hora sentados em uma das rochas grandes, tempo que aproveitei para fotografar mais uma vez a ave preta que fotografei pela manhã, também uma outra ave (bico-grosso) que passou por ali. Às 16:00 algumas nuvens mais espessas cobriram o sol. Como ficou muito frio voltamos para a barraca tomar um chá/café quente enquanto a noite não vinha

Depois da bebida tiramos uma soneca. Para, ainda com luz do dia prepararmos o jantar, pão, sardinha e chá/café. Então peguei a câmera, tripé, vesti o anorak a fui para cima de uma pedra esperar a lua cheia. Fiquei lá observando a tarde virar noite. Como estamos no fundo do vale não temos visual do horizonte a oeste, portanto, sem pôr do sol. Os minutos se passaram, as estrelas vieram e com elas identifiquei várias aeronaves passando, aqui é uma rota de voos, tanto que durante o dia a cada 20 min o zumbido de algum jato rasga o céu. Nada de lua. Quando vi o cruzeiro do sul apontando para o único horizonte que tenho vista tive a confirmação de que Jaci, a lua, nasce atrás do Pico da Maromba, e não deve cobrir o vale tão cedo. Juntei o equipamento e me recolhi, esperar o dia de amanhã para encerrar definitivamente a nossa viagem.


Dia Segundo

Acordamos às 06:00 com uma garoa leve de modo que esperamos um pouco para sair da barraca. Assim que parou de pingar na casa saí para fora, o tempo estava fechado. Contudo, a chuva havia sido tão pouca que não chegara a encharcar a vegetação. Preparamos o café/chá e desmontamos o acampamento, saí para reabastecer a água no córrego e percebi que as nuvens estavam paradas sobre o vale, mas, não se tratava de chuva e sim nebulosidade.

Pico do Maromba visto do Rancho Caído

Retornei para o acampamento e saímos pela direita do Rancho Caído contornando a matinha que nos serviu de guarida durante a noite. A trilha seguia pela lateral do Maromba, que parece um paredão intransponível de pedra e mato, numa leve subida vai vencendo o gigante. Caminhamos por entre a vegetação em uma pequena calha formada pela passagem dos caminhantes.

Depois de passar uma ravina saímos na entrada da trilha, proibida, do Maromba. Nossa caminhada começa, então a descer no sentido do vale, nesse ponto perdemos a proteção da cadeia de morros mais alta do outro lado, o vale que vem da parte alta é um canal de vento tornando a caminhada um desafio. Depois de uma leve curva à esquerda saímos no mirante para o Vale do Maromba, nesse ponto tivemos a última visão do Agulhas Negras, apesar de só uma ponta ser visível a imponência da montanha é bem clara. No sentido do vale a atenção se volta para a Pedra Selada sozinha no meio do vale. Daqui dá para ter noção do que enfrentaremos pela frente, são mil e tantos metros de perda de altitude, e um trecho de 7 km até o escorrega.

Pedra Selada, aquela ponta aguda lá no vale a quilômetros do mirante

Começamos a descida pela lateral da montanha, o caminho bem demarcado vai ziguezagueando. A todo momento cruzamos por diferentes espécies de flores, das mais variadas cores, que tornam a caminhada muito prazerosa.

Se eu fiz os últimos 9 dias sem nenhum problema, uma coisa começava a me preocupar: a cada trecho com mais terras que cascalho comecei a resvalar, mas, mas não devido ao calçado. Não sei se era a pressa ou o quê, mas, era como se minha perna não fosse erguida o suficiente para evitar arrastar a sola. Poderia ainda ser o vento que estava me tirando o equilíbrio. Fui nesse ritmo por mais algum tempo até encontrar um ritmo.

Entramos na mata, finalmente, passando por uma cascata de água cristalina. Achamos que estávamos livres do vento, ledo engano. Logo voltamos para a parede da montanha enfrentar o vento. Já eram 11:00 quando entramos definitivamente na floresta. Aproveitamos a sobra e a proteção do vento para comer alguma coisa e descansar pela primeira vez nesse dia.

Retomamos a caminhada por entre as grandes árvores, contornando riachos e descendo encostas. O visual é lindo, não fosse o cansaço acumulado ficaríamos por ali o resto do dia. A variedade de cenários e acontecimentos na mata é incrível, a cada fresta que o sol transpassa as luzes revelam quadros mágicos, a cada clareira as aves gorjeiam aos montes, é até difícil identificar algum canto separado.

Levamos mais uma hora e vinte até sair em uma clareira de árvores baixas e retorcidas. Parei e comentei para a Bruna da sensação que estávamos sentindo; em poucos metros acabaria essa longa estadia nas terras altas e retornaríamos a nossas vidas normais, um misto de prazer e angústia tomava conta. Caminhamos lentamente os últimos metros de mata até sair na estradinha.

Na casa do guarda parque não havia ninguém, então descemos pela estrada chegando na Cachoeira do Escorrega já quase 13:00. A Cachoeira do Escorrega é um point, haviam dezenas de pessoas no local. Muito diferente do que eu imaginava, o local possui 3 restaurantes de alto calibre, uma lanchonete e alguns quiosques de artesanato e outras coisas. A cachoeira não é a mais linda, mas, suas águas cristalinas e o grande escorregador que forma são um atrativo especial. Na água salpicavam pessoas de todas as idades, apesar do frio que fazia. O tempo já dava sinais de chuva, no entanto, não paravam de chegar pessoas. Perguntei para um guarda civil que estava ali se havia ônibus até Resende. O guarda me disse que tinha ônibus somente do centro da Vila do Maromba uns 4 km dali.

Cachoeira do Escorrega, final da jornada

Paramos para experimentar uma truta e um queijo num dos restaurantes. O queijo é único, de sabor marcante e textura divina, com aromas memoráveis. Já a truta não me surpreendeu, mesmo sendo a indicação da casa, não passou de um peixe preparado com requinte. Para todos os casos agora conhecemos o prato. No restaurante perguntei sobre como chegar em Resende e a informação não foi animadora, a moça do caixa que também é proprietária informou que no sábado o único ônibus saí da Vila de manhã.

Restou-nos um Uber ou táxi. Um rapaz que faz serviço de Uber ofereceu transporte por R$ 200,00. Achei um absurdo, e liguei para a central de táxi; como achei que o rapaz tinha abusado da situação, acabei chamando um táxi por R$ 230,00. Por que paguei mais caro? Sei que um táxi muitos custos que um carro normal não tem, e não gostei da forma com que o rapaz tratou da situação sabendo que ele era uma das poucas opções ali, também ele só poderia fazer o percurso no fim do dia. No final, o valor é caro, mas, não há que se considerar. Levando em consideração a situação da estrada, e a distância, são mais de 40 km na serra, sendo pelo menos 8 km de estrada de terra. Pegar uma carona não era uma opção que parecesse viável, estávamos com duas cargueiras enormes e todos os veículos que chegavam no escorrega vinham cheios.

Chegamos na rodoviária de Resende às 16:00. Para nossa surpresa o guichê de vendas de passagem já tinha fechado. Acabamos tendo de comprar a passagem pelo app. Desse modo pagamos mais uma taxa não prevista. Às 21:00 embarcamos com destino a Maringá/PR.

 

Este diário é o último de uma sequência de dez dias acampados no Parque Nacional do Itatiaia na divisa entre os estados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Os demais dias, parte baixa e parte alta são relatados nos diários antecedentes.

109 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comentarios


bottom of page